silêncio

silêncio.

esbaforida bagunçada romântica sem cura. esbarra na própria dor — e às vezes chuta

às vezes o que queima em mim é insuportável
é esse sol em carneiro que me faz dar cabeçada y cabeçada y cabeçada.

murro em ponta de faca se torna mantra
mas eu não quero.

amor próprio autocuidado autoestima me rodeiam, me tocam e acarinham, mas não penetram essa cabeça-pedra que tenho me tornado desde não sei mais quando.
autodepreciativa.

na vontade de sumir
silencio.

tá escrito respira na parede. mais um mais um mais um conta até 27. não fala na hora.

paz. quem criou a paz foi um homem branco pique esse deus que cês acreditam e nesse patriarcado nós não teremos paz.

no máximo silêncio. e com tempo contado

notas: AMARASMULHERES

depois (depois?) de processo de cura primeiro, busco olhar pela janela. respirar o vento e o pólen que elas exalam. sentir seus cheiros. olhar. nesse primeiro passar olhar é o único horizonte com o qual me preocupo.

— pra engolir a ansiedade que nasceu como corpo estranho e se tornou meu corpo. os últimos tempos foram cinza e a única promessa que fui capaz de fazer a mim mesma é que do que o patriarcado fez de mim, faria asa. —

olho pela janela. o vento que bate na cara é bom e forte e frio como tem que ser.

amar as mulheres tem sido uma mulher. tem sido uma casa também, tem sido quatro mulheres. tem sido –e pra mim é como se tivesse sido sempre—uma mulher vermelha.

amar as mulheres tem sido acompanhar de longe-perto uma mulher que amo desde que me entendo por gente voltar a se amar e se cuidar depois de um período turbulento.

amar as mulheres tem sido olhar pra mim também. lesbianizar porque me amo e amo meu corpo-mulher.

me foi ensinado um amor antimulher muito eficaz, é certo. a gaiola da rivalidade feminina se anuncia sobre minha cabeça mais vezes do que eu gostaria e suporto. diversas vezes ela se acomoda ao meu redor. meu esforço tem sido e será me debater até sair.

amar as mulheres tem sido respirar quando falta o ar. bater asas é devir.

Margarita Pisano “O Triunfo da Masculinidade” – Tradução

Tradução de “O Triunfo da Masculinidade”, da chilena, lésbica e feminista radical Margarita Pisano.

https://pt.scribd.com/document/341673780/Margarita-Pisano-O-Triunfo-Da-Masculinidade-Traducao-Completa

Tradução coletiva feita pelo grupo Estudos no Brejo, que acontece semanalmente no Brejo das Flores. São Paulo, $P. 2017. É livre e incentivada sua divulgação, impressão e difusão. Viva as sapatão resistência!

não quero [só] amar. não quero viver de amor.
pisano sussurra no meu ouvido que feminilidade é domesticação. e eu concordo e eu concordo e eu concordo.
amor romântico não é frase leve. leia de novo: amor romântico. é doença é doença. é amargo de tão doce. faz mal. me mata aos pouquinhos. come minha leveza. come minha espontaneidade. come meu frescor.

e faz tempo que eu sei disso. mesmo quando não sabia, mesmo quando sofria esperando que a resolução fosse um relacionamento perfeito que iria aparecer no horizonte em algum momento: sabia que me enganava. sabia que desse mal nada de bom sai. não sai.

ontem boba falei pra ela “mas há meses que eu tento” [desde que estou com ela] e ela, sábia que é, me diz “em meses a gente engatinha”.

não quero viver de amor. não quero pensar em amor. odeio amor. porque é exatamente sobre isso que se trata o amor romântico. ódio, rancor, ciúme, medo. insegurança insegurança insegurança. e muitas vezes em mim vem como desespero-buraco-na-barriga.

às vezes esqueço que amar é bom. e sepá eu devia esquecer mesmo. pensar só em autoamor. só em me autoamar. cuidar de mim e do meu corpinho e dessa cabeça que tem dias que não adianta não funciona e não produz porque não dá.

a feminilidade é domesticação. a cabeça da mulher está doente. o corpo da mulher tem que aprender a amar no plural. em eu-elas. e não amar casal. não amar romântico porque isso adoece.

a cabeça-corpo-coração-pulmão mulher tem que aprender a amar amiga.

______________

sepá a cura está aí. o amar-amiga pode trazer sexualidade, pode trazer paixão. mas não traz carga pesada que é romance.

desaprender.
amar aS mulhereS
despatriarcalizar.

gênero é construção SOCIAL

quase cinco anos atrás eu compartilhei no FB esse bordado. eu tinha 19 anos e meu feminismo estava se estabelecendo e se refinando, pra nunca mais sair das minhas miradas.
todas concordamos com o bordado? “gênero é uma construção social”, diz a foto. SOCIAL. não biológica. não tem essa de nascer no corpo errado: tudo o que a gente entende por “corpo certo”, “corpo errado” foi construído socialmente.

rosa vs azul tá ultrapassado pra você? então pense em maquiagem vs natural. cabelo comprido vs cabelo curto. peluda vs pelada. pense o que quiser.
não existe “nascer mulher”, nem no “corpo certo”, nem no “corpo errado”.
Gênero é construção social.

“mulher que nasceu mulher” é aquela que sofreu opressão misógina desde a barriga da mãe e que nunca optou por isso — e nunca se “identificará” com isso.
“mulher que se identifica como mulher” é aquela que num dado momento da vida (umas antes, outras depois) percebeu que não se adequava aos padrões masculinos de gênero e achou que a resposta estaria no outro polo. Tipo aquilo que cês chamam de binarismo, sabe?

Então: OU é homem OU é mulher (mesmo que as genitais estejam trocadas certo?). Binarismo também porque se a mina gosta de mina e não gosta de feminilidade ela é automaticamente jogada pro outro polo: deve ser um homem.

loco pensar que a ideologia de gênero mais atual (moderna, fascinante, revolucionária) esteja reproduzindo padrões tão heterossexuais, não? Sim, porque se um casal de lésbicas está se tornando um casal (muitas vezes autointitulado) “hétero” tem algo errado, né? (mulher amando mulher? onde já se viu?!) Uma bicha afeminada não pode mais ser o que é: tem que ser mulher (bicha afeminada é destruição demais pra essa sociedade).

Sério que não soa como cura gay pra vocês?

Crianças que não se adequam aos padrões de gênero (lembra do termo? criança viada?) estão sendo curadas!

enquanto isso eu só fico pensando:
gênero é criação do patriarcado. gênero é hierarquia. homem sobre mulher. o patriarcado sempre vai se reinventar pra gente reproduzir a velha ladainha. gênero é construção social. SOCIAL. e a socialização nunca falha.

Luana foi morta claramente por ser negra.
claramente por ser negra e da periferia.
Periférica não só por onde está sua casa, mas à margem:
à margem da heterossexualidade, Luana foi lésbica;
à margem da Instituição Família, Luana foi mãe só;

Clara
Sua morte foi clara.
A cada dia mais assassinatos claros,
embranquecidos,
brancos.

Eles querem branquear tudo.

volta

Pensar sobre mim mesma
estar em minha própria companhia
me (re) conhecer.

((talvez deixar o cabelo crescer pra acompanhar outra que cresce))

se olha no espelho y reflete.

*

Pensa nela, mas pensa menos
Estar a sós na mente-coração-pulmão é tarefa mais difícil que dormir sozinha a semana toda.

{volta a dormir consigo, como diz angélica}

*

DO QUE O PATRIARCADO FEZ DE MIM FAREI ASA.

vômito

[ATENÇÃO: esse texto é um gatilho para traumas adquiridos pela heterossexualidade compulsória]

Avistou o alecrim e vomitou.
Longamente vomitou.
___nunca mais pode sentir seu gosto, seu cheiro ou ver seu aspecto pontudo sem uma densa náusea.

Vomitou café da manhã-almoço
vomitou água
teria vomitado intestino-útero-pulmão se ainda os tivesse.

Ela estava oca.

Oca desde a terça-feira passada que, ao chegar em casa com a muda da planta alegre na mão foi abordada por seu companheiro que beijoabraçocarinhosorriso a estuprou. Ela empurrou, disse que não tava afim, argumentou cansaço, mas ele queria “transar” então a estuprou. Ela não brigou, nem gritou… sequer falou.
Foi direto pro banheiro
se lavou
e vomitou todos os órgãos ao perceber que nunca havia “transado”.

Era impossível mensurar quantas vezes esteve ali, naquele lugar, segurando a náusea e esperando acabar.
mas nunca havia vomitado.
o cheiro do alecrim era impossível de suportar.

foi embora na mesma madrugada, aos berros.
O som ecoava dentro de seu oco.

Chegou na casa da irmã com arruda num vaso.

Seis dias depois, voltando do trabalho avistou o alecrim e vomitou.

A brisa que surgiu na rua a ajudou a recuperar o fôlego.

Tenho tentado me manter sóbria – Sobre álcool e capitalismo.

Estou há três meses evitando consumir álcool e tenho conseguido me manter sóbria (exceto numa noite). A princípio parei de beber para seguir um tratamento de ginecologia natural (contra candidíase) e é óbvio que foi difícil nega-lo. Às vezes eu soo exagerada pra mim mesma quando penso sobre a presença do álcool na minha vida, mas olhando com verdade — mulher, pobre, 24 anos, solteira sem filhas, morando com as amigas — eu represento bem uma faixa jovem de consumidoras de álcool, e eu poderia dizer facilmente que 95% das pessoas que me cercam consomem álcool no mínimo uma vez na semana. E nós consumimos muito álcool.

Anos atrás, quando eu ainda era politicamente contra todo tipo de entorpecentes e consumia álcool muito esporadicamente, minhas críticas ao álcool eram exatamente as que eu tenho hoje:
As pessoas ficam bêbadas (e muitas vezes chatas pra porra);
Não controlam totalmente suas ações (ou tem aval social para isso);
Brigam, agridem, abusam e estupram e depois colocam a culpa no álcool;
São mais facilmente manipuláveis e ficam fisicamente à deriva (principalmente mulheres);
A publicidade é misógina;
Se trata de uma Indústria milionária;
Gastamos o dinheiro que não temos (ou que poderia ser usado em algo mais útil);
Ficamos politicamente estagnadas (só naquele momento? Ok. Mas e quem bebe toda semana? E todo dia? E a ressaca?).
E todas essas críticas cabem perfeitamente em: ausência de crítica radical sobre nossas ações cotidianas.

Ao longo dos últimos três anos fui abandonando esses pensamentos e aos poucos comecei a me achar muito carola por pensar isso. Nesses três anos passei a me relacionar cada vez mais com pessoas que usavam algum tipo de entorpecentes e/ou que frequentavam assiduamente bares, depois passei a trabalhar e militar com pessoas com esse mesmo hábito e, não por coincidência, passei a beber quase que diariamente.

Calma, eu não vou fazer um texto sobre como as más influências nos tiram do caminho de jesus.

Beber quase que diariamente era uma decisão. Eu gosto do sabor da cerveja — principalmente em dias quentes (e das cachaças nos dias frios rs). Eu gosto (quase sempre) do ambiente bar-cerveja-conversa. Mas é bom lembrar: todos esses “gostos” são construídos socialmente, eu me acostumei com o gosto amargo da cerveja, eu aprendi que não curtir beber era ser moralista, eu aprendi que o ambiente de bar era um lugar masculino e que, como feminista, era massa eu ocupar esse lugar. De qualquer forma, beber uma depois do almoço ou depois do trampo (ou os dois) se tornou rotina e era uma maneira muito boa (muito boa mesmo) de esquecer ou relaxar um pouco dos problemas que enfrentávamos no trampo/militância.

E esse é um dos pontos principais:

Trabalhar, militar (e pra muita gente apenas sobreviver) é psicologicamente difícil. Queremos e precisamos muitas vezes nos desligar um pouco, encher a cara com as amigas e cantar (ou chorar) (ou os dois). Mas isso não é “parte da vida”, é reflexo da vida de merda que levamos nesse Sistema.
Nunca vou me sentir no direito de dizer a alguém que precisa relaxar um pouco, que na verdade ela deveria estar sóbria e lutando.
Só que a questão não está no que EU digo pras pessoas fazerem ou não, mas no que o Sistema diz. O Capitalismo diz que pra gente ficar bem e relaxar a gente tem que consumir algo. Repare que toda ‘diversão’ dentro desse sistema é comprável. Encontrar as amigas? Só se for num restaurante ou *óbvio* um bar.

(Se você bebe, tente o seguinte exercício: encontre suas amigas num lugar que não seja um bar e onde vocês não consumam álcool. Ou melhor ainda: pare de beber e tente frequentar os mesmos lugares que frequenta hoje).

Um dos meus principais incômodos assim que parei de beber foi perceber como todos os lugares que eu mais frequentava eram centrados no consumo de álcool e como a socialização e amizade e presença giravam em torno dele. Esses lugares se tornavam terrivelmente chatos se eu estava sóbria. E isso inclui as pessoas.

Ficar bêbada é uma das opções de ‘diversão’ que o capitalismo oferece. Para ficar bêbada a gente tem que dar em troca aqueles papeizinhos que ele inventou, chamados dinheiro. Tenho que dizer que precisamos de um trampo pra ter dinheiro? – tá, tem gente que não precisa – mas nós precisamos. E é muito importante que precisemos de um trampo: são 8h + 2h de transporte (ou 3h, ou 4h). É um salário que banca as contas e, quando bebemos, o álcool será incluído nas contas. A gente vive apertada, mas não deixa de beber.

Três anos atrás, eu (repito: mulher jovem, solteira sem filhas, na época morando com minha família e bancando parte das contas de lá) recebia um salário de R$800,00 e não bebia. Me sobravam pelo menos R$200,00 todo mês. Depois que passei a beber quase diariamente, recebendo uns R$1000,00 e ainda vivendo na mesma casa, nada me sobrava.
É nosso dia inteiro, nossa semana inteira, nosso mês inteiro pro Sistema. Arranjamos tempo pra lutar, é óbvio que sim, mas é nas brechas do Sistema que fazemos isso. E é um privilégio que temos, porque muita gente não tem absolutamente tempo nenhum.

O Sistema quer que a gente trabalhe e depois fique inerte? (e aqui eu problematizo o álcool como agente forçador dessa estagnação) Sim.
Também quer que: i) não vejamos isso (e mais uma caralhada de coisa), ii) não lutemos contra essas coisas, iii) não tenhamos possibilidade (nem material, nem psicológica, nem acúmulo de prática, nem de teoria, nem tempo) de criar e sustentar modos de vida radicais e revolucionários dentro do nosso cotidiano.
Pense com sinceridade sobre o que significa “happy hour”.

Não estou jogando aqui “todas as pessoas deveriam largar seus empregos, parar de beber e fazer a revolução” (não?). Muito menos ficar crucificando individualmente quem bebe por N motivos. Mas fico pensando como raios podemos ser feministas, anticapitalistas, acreditar em revolução cotidiana, que o pessoal e político e ao mesmo tempo defender com unhas e dentes modos de vida que nos fazem simplesmente consumidoras em estagnação?

Perceba, nesse meu relato falta problematizar mil coisas. A publicidade é misógina, a violência (principalmente a doméstica) é agravada pelo consumo de álcool, seu consumo estraga o corpo de diversas formas, o alcoolismo causa isolamento e é ferramenta de extermínio de pobres (assim como as drogas, mas isso é outro assunto). Falta também dizer o que são as outras drogas lícitas e a quem servem. E todas essas coisas são pautas da nossa luta.

Conseguimos abandonar vários hábitos escrotos de consumo, deixamos de frequentar muitos lugares, reinventamos várias formas de existir e conviver, mas defendemos ideológica e politicamente o consumo de álcool.
Como disseram as companheiras do coletivo anarquista La Vaga Que Volem, em uma carta explicando porque não aceitariam na campanha delas dinheiro arrecadado com a venda de cerveja, “É verdade, todas temos práticas à margem da militância e inclusive contradições, mas nenhuma delas é levantada como bandeira, nenhuma é usada como referência de nosso movimento”, por que estamos fazendo isso?

A gente quer ócio criativo, daí existe o álcool e outras drogas: ficamos apenas com o ócio (que melhor seria chamado de inércia).

[traduzi a carta do coletivo La Vaga Que Volem, tá aqui: https://cirandabruta.noblogs.org/post/2016/09/17/carta-la-vaga-que-volem/ ]