ode ao ódio

zine sobre ódio raiva fúria revide y autodefesa.
uns poema-brisa e o texto PEDAGOGIA DO ÓDIO:

“tenho pensado aqui a pedagogia como um processo complexo – e infinitas vezes dolorido – de aprendizagem y entendimento coletivo, onde por meio de troca de informações y experiências atuais y ancestrais, nos refazemos. o processo pedagógico é infinito y acontece o tempo todo por meio de conversas, leituras, aulas, caminhadas, reflexões, danças, carinhos beijos afeto, músicas, discussões & brigas e é sobre essas últimas que quero falar nesse texto.”

completa aqui

Nanãna. Sempre que eu vejo minha mãe e suas duas irmãs minhas tias pensamos e falamos dela, mesmo que pouco, mesmo que por um instante. Não conheci minha avó e tudo que sei dela é porque me contam histórias sobre sua vida. Sempre fui apaixonada por essa mulher e quando era bruxinha pequena e acreditava em reencarnação, gostava de pensar que eu era ela e ela era eu. nunca contei isso pra ninguém. Esses dias conversando com cibelinha pensava sobre biologia e minha brisa era de que todas as partes do meu corpo, todas as minhas mitocôndrias belezinhas e resistentes, queriam seguir essa linhagem. Não é desmerecendo não, é que nascer com útero é muita coisa. Mesmo que do meu nunca saia uma criança — e não vai sair. Mesmo as que não tem útero, ou que por algum motivo tenha deixado de ter {nanãna tirou o útero com 42 anos por causa de um fibroma}. São ciclos que se impõem, é sangrar sem ferida. Já pensou morrer todo mês? A melhor parte é renascer.
Amanhã minha avó faria 91 anos.

coma arroz tenha fé nas mulheres – fran winant

Coma arroz tenha fé nas mulheres
O que eu não sei
Eu ainda posso aprender
Se estou sozinha agora
Estarei com elas mais tarde
Se estou fraca agora
Posso me tornar forte
Lentamente, lentamente
Se aprender, posso ensinar as outras
Se as outras aprenderem antes
Eu devo acreditar
Que elas voltarão e me ensinarão
Elas não vão embora do país com seu conhecimento
E me enviarão uma carta em algum momento
Devemos estudar todas as nossas vidas
Mulheres vindas de mulheres
Indo para mulheres
Tentando fazer tudo que pudermos
Com as palavras
Em seguida, tentar trabalhar com ferramentas
Ou com nossos corpos
Tentando ficar o tempo que for preciso
Lendo livros quando não há professores
Ou quando eles estão muito distantes
Ensinando a nós mesmas
Imaginando outras lutando
Devo acreditar que nós estaremos juntas
E construir confiança o suficiente
Para que quando eu precise lutar sozinha
Eu saiba que há irmãs que
Ajudariam se soubessem
Irmãs que viriam
Para me apoiar mais tarde

Mulheres exigindo liberdade
Cada uma com suas necessidades
Nossa vida completamente dilacerada
Pela velha sociedade
Nunca nos dando o amor ou o trabalho
Ou a força ou a segurança ou a informação
Que nos poderia ser útil
Nunca ajudadas pelas Instituições
Que nos aprisionam
Quando precisamos de cuidados médicos
Somos abatidas
Quando precisamos da polícia
Somos insultadas e ignoradas
Quando precisamos de pais e mães
Encontramos robôs
Treinados para nos manter em nossos lugares
Quando precisamos de trabalho
Nos dizem para nos tornarmos parte do sistema que nos destrói
Alimento que nutre
Medicina que cura
Canções que nos lembram de nós mesmas
E nos fazem querer continuar com o que importa para nós

Vamos sair de novo
Encontrando as mulheres que saem pela primeira vez
Sabendo que esse amor faz uma boa diferença em nós
Afirmando uma vida contínua com mulheres
Devemos ser amantes médicas soldadas
Artistas mecânicas agricultoras
Todas em nossas vidas
Ondas de mulheres
Tremendo de amor e raiva

Cantando, nós devemos enfurecer
Beijando, virar e quebrar a velha sociedade
Sem nos tornarmos os nomes que elogiam
As mentes que pagam

Coma arroz tenha fé nas mulheres
O que eu não sei agora
Ainda posso aprender
Lentamente, lentamente
Seu eu aprender posso ensinar as outras
Se as outras aprendem antes
Eu devo acreditar
Que elas voltarão e me ensinarão

fran winant – Tradução por Marcella

colmeia

hermana
mana

borboleta
formiga
cobra
aranha
baleia

abelha

de todas as coisas que nos unem
escolho a pele arrepiada
o entreolhar
a gargalhada

das fortes lembranças:
manada
todas juntas
pés firmes no chão
grito
palavra de ordem
insubmissão

Ódio como combustível
e amor pelas nossas

tem gente querendo tirar isso de nóis

— de novo —

E de todas as coisas que nos matam e nos fazem sangrar
aprendo: a cura é coletiva.
nós lambemos nossas feridas
Em rituais de sororidade
nós lambemos essas feridas
umas das outras.

há séculos em volta da fogueira, na batucada
fazendo chá ou presenteando com espéculos

caminhamos
em manada
em matilha
e nessa colmeia
Rainha somos todas nós juntas.

amar as mulheres

MULHERES são seres-janelas.
lufadas de ar. de oxigênio.
um respirar em baixo d’água.
“feminismo para no ahogarse”

Sororidade é um sentimento tão profundo, tão imerso nas lamas
que é sangrar junto
(física-psicologicamente)
é entender e empatizar o sangrar da outra.
“Sangramos fino eterno e fundo”

Sangramos.

Não há dúvidas de que sangramos esse patriarcado.
diariamente.
amar cuidar saudar tocar lamber esse sangue
meu-delas
é revolução cotidiana.

é preciso amar as mulheres

(a nós mesmas e nossas amigas-irmãs)
é preciso confiar nas mulheres
(a que está cercana e a que não conhecemos)
é preciso priorizar as mulheres
(em tudo)

Sobre voltar

Eu demorei cerca de um ano pra perceber que o queer estava me afastando do feminismo.

Perceber isso foi um soco no meio da minha cara.

Percebi que aceitei e absorvi certos posicionamentos que relativizam a opressão patriarcal sobre as mulheres, posicionamentos esses que nos colocam até em posição (totalmente questionável) de privilégio. Me peguei falando sobre “corpos que engravidam” criando uma horizontalidade vazia, onde invisibilizo as agentes da maioria dos abortos, gravidezes forçadas, violências obstétricas, partos e cuidados com a criança: as mulheres. (Não é uma questão de trabalhar apenas com maiorias, mas de ter consciência de que estava cometendo uma injustiça ao colocar todo mundo no mesmo patamar). Percebi que quando conheci o queer boicotei meu interesse (já antigo) sobre a opressão exercida sobre o corpo feminino, seus ciclos, menstruação e etc. porque podia ser essencialista e opressor.

O queer, por ser um movimento que abrange pessoas socializadas como homens e mulheres é, como todo movimento misto, um espaço que PRECISA questionar muitos privilégios masculinos antes de vir ditar o que uma mulher sofre ou não, ou como resolver as coisas pra nós. Assim como tem urgentemente que rever essa esquizofrenia de viver num mundo que não é o que vivemos. Fingindo que o que vivemos em nossa pequena comunidade-bolha-de-amigxs não está de forma alguma refletindo o que está acontecendo do lado de fora:

Faz alguns meses, li numa zine cujo autor é queer, que era errado fazer oficinas de autodefesa exclusiva para mulheres num evento queer. Isso é ignorar toda a criação patriarcal que as mulheres tiveram, isso é fingir que não somos criadas para o medo e para a submissão, e fingir que elas não estariam expostas a possíveis agressores homens nesse meio.

Também há alguns meses li num texto da Beatriz Preciado que “Nós as novas feministas não precisamos de marido porque não somos mulheres”, o que isso significa? Que se formos mulheres precisaríamos de maridos?

No livro da Judith Butler, Problemas de Gênero, ela critica o feminismo, dando a entender que, ao colocar a mulher como seu único agente político, o movimento ignora outras pessoas oprimidas pelo sistema patriarcal. Isso seria verdade, se o movimento feminista não tivesse apoiado ao longo da história as insurgências de gays e travestis, já que, vale lembrar, um número significativo do movimento feminista, historicamente, é composto por lésbicas. Assim como o movimento negro teve relevante apoio das feministas desde pelo menos a década de 1960 (acredito que muito antes, mas me falta esse acúmulo. Tenho certeza apenas de que via movimento anarquista, lutas feministas e negras estão unidas desde o IWW, nos EUA). O feminismo desde seu surgimento questionou a formação Família, visibilizando a opressão da educação infantil (para meninas e meninos). E faz a relação – via feminismo de viés socialista — com a subjugação de empregadas e empregados em casas, fábricas, empresas e etc. sob a tutela patriarcal.

Precisamos entender o seguinte: colocar a mulher como principal agente político é o que faz feminismo ser feminismo. Apoiar outros movimentos é uma questão de solidariedade e clareza na abrangência que queremos dar a palavra libertação.

Esse texto é mais do que tudo um autopedido de desculpas pelo período de descaso e contradição. O que fica é:

Não tire a importância do feminismo com seu discurso pós-moderno de liberdades apenas individuais. O feminismo salva vidas todos os dias. Ele empodera mulheres, lhes devolve o sorriso e nos faz pisar forte em nossa caminhada.

O feminismo é, com certeza, a coisa mais importante que aconteceu na minha vida. Defender e cuidar das minhas irmãs ainda é a coisa mais importante que eu consigo vislumbrar e é também a militância que eu escolhi percorrer.

(de 2014)

Da série sobre menstruação: Copinho

Tenho uma relação muito legal com meu copinho.

Uso o coletor menstrual a mais ou menos um ano e meio.

Tudo o que acontece durante a menstruação mudou (pra melhor, diga-se de passagem) desde que eu o uso. Menstruar nunca mais foi um problema pra mim.

Sou muito avoada então era frequente eu estar na rua/trabalho/escola desesperada atrás de um absorvente. Ou então me esquecer de pegar mais e passar metade do dia na rua, totalmente desconfortável, achando que a qualquer momento o meu absorvente ia vazar e sujar minhas roupas.

Minha vida toda usei absorvente externo e no calor era um suplício. Cheguei a ficar com a virilha bastante assada (bem na parte das dobras das coxas) por conta do atrito com o papel/cola.

E bom, por conta do meu descuido em trocar mais vezes por dia, as minhas roupas realmente chegaram a sujar “visivelmente” (entre aspas porque foi pouco, mas visível).

Quase todas as minha amigas do período da escola eram meio pilhadas com o fato de o absorvente poder vazar e as sujar (eu disse quase?).

Desde que eu tenho o copinho minha relação com o sangue, com minha vagina, com minhas roupas, meu calor e etc. mudaram.

Hoje eu lido com meu sangue. Sei quando está muito coagulado ou muito liso. Sei sua cor e principalmente: sei sua quantidade.

Digo ‘principalmente’ porque não temos como ter uma dimensão certa da quantidade em absorventes de papel/algodão. Porque ele absorve e espalha. Temos a sensação de sempre ter muito sangue lá.

Eu sempre me masturbei, mas minha relação com minha vagina também mudou depois que eu passei a usar coletor.

É preciso colocá-lo e tirá-lo do jeito certo, tem o lance do vácuo e dele estar todo desdobrado pra encaixar. A gente tem que dobrar ele pra colocar e tem que ser uma dobra confortável.

Descobri principalmente a força da musculatura da minha vagina. Consigo empurrá-lo facilmente quando quero tirá-lo, até um ponto que facilita puxar ele.

Não tenho mais neura de vazar e sujar toda a minha roupa, por mais que já tenha vazado um pouquinho numas vezes que eu coloquei errado, e é aí que entra a parte mais bonita da história: eu menstruo, sabe? Todo mês. E, por mais que tentem pela publicidade transformar num líquido azul sobre um absorvente brilhante, o que eu menstruo é sangue. Ele não é sujo nem nojento. Ele é natural e vai me acompanhar durante toda minha vida fértil.

Eu ando adorando minha menstruação, aprendendo muito sobre mim e sobre ler meu corpo e esse texto faz parte da minha tentativa de falar sobre nossas coisas não-ditas.

Espero que inspire

Bruxaria

Bruxas são… mulheres.

Não estou falando de fadas, duendes ou anjos: Estou falando de mulheres.

carne-osso-sangue.

Mulheres que reivindicam seus corpos e sua autonomia, sua solidão e sua vida entre iguais.

Mulheres desobedientes.

Mulheres que nunca poderiam se adequar ao patriarcado já que nunca poderão se ajoelhar para pai-deus algum.

Nunca serão esposas submissas, já que sequer serão esposas.

Dessa mesma forma, nunca estarão satisfeitas dentro das engrenagens do capitalismo, visto que renegam todos os papéis disponíveis de boa esposa,

boa funcionária,

boa consumidora,

boa reprodutora.

Aprenderam com suas mães, avós, amigas ou sozinhas a amar seu corpo, sua buceta, seu sangue, seus pelos, seus fluidos.

Aprenderam a se amar primeiramente, a se satisfazer com a própria companhia, a se respeitar, para que nunca dependessem da companhia e/ou tutela de alguém.

Essas mulheres desobedientes são perseguidas por essa sociedade brutal que as rodeia.

Então desobedecem e se insurgem por necessidade, para sobreviver. _______________________________________Tentamos nos manter sãs, tentamos não abdicar da força e sabedoria que temos e sabemos ter.

Mas é exatamente o contrário que exigem de nós.

Nos querem fracas, burras, inocentes, dependentes.

Dizem que somos loucas por não aceitarmos esses papéis de maneira alguma, enquanto que na verdade só estamos lutando … por sanidade… nos manter o que somos.

Bruxas são mulheres de todas as épocas.

Seria uma pretensão e até uma generalização da minha parte dizer que toda mulher é uma bruxa (mesmo que enrustida) então direi que esse é meu desejo mais profundo em relação às mulheres.

(de 2014)

As mulheres do patriarcado são doentes

As mulheres do patriarcado odeiam seus corpos e ensinam suas filhas a odiarem os delas.

As mulheres do patriarcado se odeiam entre si, visto que não conseguem nem amar a si mesmas.

As mulheres do patriarcado estão rendidas: louvam deuses homens em igrejas feitas por homens, geridas por homens, com roupas que os homens acham adequadas.

As mulheres do patriarcado vendem seus corpos.

As mulheres do patriarcado defendem a venda de corpos femininos como se fosse apenas um trabalho.

As mulheres do patriarcado se submetem a relacionamentos com homens medíocres e imbecis porque entendem que é muito importante ter um homem fazendo sua tutela.

As mulheres do patriarcado mutilam seus corpos de variadas formas, conforme a moda.

As mulheres do patriarcado chegaram a parir e em alguns lugares continuam parindo uma criança a cada nove meses.

As mulheres do patriarcado envelhecem precocemente.

As mulheres do patriarcado estão doentes.

E precisam de cura.

(de 2014)