“Sou herdeira de rezas e benzeduras. De mulheres que encontraram nos contornos da castração social, brechas por onde deixar infiltrar os poderes ancestrais femininos. Mulheres que cultivam remédio para todos os males, entre flores e folhas, histórias e sonhos, palavras e canções. […] Sou herdeira de mulheres simples, sabedoras, que fazem da rotina um ritual. Com a vassoura varrem os pensamentos ruins, as lembranças difíceis, e assim vão varrendo até a calçada, até a estrada. Fazem da casa um relicário, baús que guardam histórias tramadas no algodão, o café exalando aroma de saudade gostosa. Fazem do quintal um altar, lugar maior que o mundo, composto de silêncios e de restos, repleto de símbolos de poder.”

amar as mulheres

MULHERES são seres-janelas.
lufadas de ar. de oxigênio.
um respirar em baixo d’água.
“feminismo para no ahogarse”

Sororidade é um sentimento tão profundo, tão imerso nas lamas
que é sangrar junto
(física-psicologicamente)
é entender e empatizar o sangrar da outra.
“Sangramos fino eterno e fundo”

Sangramos.

Não há dúvidas de que sangramos esse patriarcado.
diariamente.
amar cuidar saudar tocar lamber esse sangue
meu-delas
é revolução cotidiana.

é preciso amar as mulheres

(a nós mesmas e nossas amigas-irmãs)
é preciso confiar nas mulheres
(a que está cercana e a que não conhecemos)
é preciso priorizar as mulheres
(em tudo)

Regar as ervas
com o sangue do coletor menstrual

Arruda
Alecrim
Hortelã.

Fazer chá de canela e alecrim para a cólica.
Manter calor
Tomar Sol.
Comer cru antes e durante minha Lua.

Olhar a Lua
(o ciclo inteiro)

Regar o caderno com palavras de sangue.

{renasço a cada morte do meu útero-sangue-ciclo}

***

Pés no chão pra ficar perto de mainha

Banho de chuva pra lembrar das abuelitas – de ambos os lados.

Arruda no cabelo pra ser eu mesma, pra criar meus meios de purificar. Pra cheirar cheiro que me agrada. Pra ser curandeira de mim mesma.

***

(fev.2016)

I
É guerra e é terror: lá estamos.
cantando.
As mãos trêmulas de antes se dissipam.
Ombros na altura dos meus olhos seguram minhas mãos
Somos corda pulsante.
Na certeza do estrago, resistimos.

II

*
aos que insistem no silêncio, eu pergunto, onde se localizariam na História?
*

III
Lava o medo da tua pele
Conta dois sétimos de lua
Na tarde do segundo dia
Se pinta pra guerra.
Arruda no cabelo.

(sobre o segundo ato contra o aumento das passagens, $P, Janeiro de 2016)

Me diga que estamos morrendo
porque da morte o renascer se faz urgente.
porque só existe fluxo se cortamos
me diga que morremos, mesmo que aos poucos, mesmo que devagar.
((me diga palavras reconfortantes: me diga que estamos morrendo))
e que logo “nós” não existirá.
que novos laços virão,
que te olharei com olhos frouxos,
que nada me amarrará a você.

(jan.2016)

“e se perceber que estou me apaixonando, me deixe”.
O saber que o carinho y cuidado só virão
quando lá
– como quem brinca de mar ou céu –
eu
me tornar horizonte:
quando só puderes me ver em dias sem nuvens nebulosas.
em dias calculados carinhosamente pela Terra.

*

Agachada tento arrancar com a mão a lembrança jovem da sua pele e seu beijo
arrancar com a mão
tarefa dura essa de, amando, tentar desamar.
Talvez eu seja incurável — serviço mais que perfeito do patriarcado — drama choro apego expectativa desespero.
por isso
“se perceber que estou me apaixonando (de novo) (por você), me deixe” ir.

*