“Sou herdeira de rezas e benzeduras. De mulheres que encontraram nos contornos da castração social, brechas por onde deixar infiltrar os poderes ancestrais femininos. Mulheres que cultivam remédio para todos os males, entre flores e folhas, histórias e sonhos, palavras e canções. […] Sou herdeira de mulheres simples, sabedoras, que fazem da rotina um ritual. Com a vassoura varrem os pensamentos ruins, as lembranças difíceis, e assim vão varrendo até a calçada, até a estrada. Fazem da casa um relicário, baús que guardam histórias tramadas no algodão, o café exalando aroma de saudade gostosa. Fazem do quintal um altar, lugar maior que o mundo, composto de silêncios e de restos, repleto de símbolos de poder.”
Author: Pamela Maria
amar as mulheres
MULHERES são seres-janelas.
lufadas de ar. de oxigênio.
um respirar em baixo d’água.
“feminismo para no ahogarse”
Sororidade é um sentimento tão profundo, tão imerso nas lamas
que é sangrar junto
(física-psicologicamente)
é entender e empatizar o sangrar da outra.
“Sangramos fino eterno e fundo”
Sangramos.
Não há dúvidas de que sangramos esse patriarcado.
diariamente.
amar cuidar saudar tocar lamber esse sangue
meu-delas
é revolução cotidiana.
é preciso amar as mulheres
(a nós mesmas e nossas amigas-irmãs)
é preciso confiar nas mulheres
(a que está cercana e a que não conhecemos)
é preciso priorizar as mulheres
(em tudo)
Regar as ervas
com o sangue do coletor menstrual
Arruda
Alecrim
Hortelã.
Fazer chá de canela e alecrim para a cólica.
Manter calor
Tomar Sol.
Comer cru antes e durante minha Lua.
Olhar a Lua
(o ciclo inteiro)
Regar o caderno com palavras de sangue.
{renasço a cada morte do meu útero-sangue-ciclo}
Você
longas raízes no chão
me olha castanho fundo
Árvore
Alva e esguia lituana.
por me causar vontades vulcânicas,
nomeio terra.
(abril.2016)
Sentamos na mesa da cozinha e amadurecemos.
As conversas são longas e os relógios acusam que o mundo não para quando estamos juntas
Sangue e arruda
sexo
suor
*
(são quase três da tarde)
(mar.2016)
***
Pés no chão pra ficar perto de mainha
Banho de chuva pra lembrar das abuelitas – de ambos os lados.
Arruda no cabelo pra ser eu mesma, pra criar meus meios de purificar. Pra cheirar cheiro que me agrada. Pra ser curandeira de mim mesma.
***
(fev.2016)
Dessa vez busco cura profunda e lenta e alegre: do patriarcado.
Do que ele fez de mim, farei asa.
I
É guerra e é terror: lá estamos.
cantando.
As mãos trêmulas de antes se dissipam.
Ombros na altura dos meus olhos seguram minhas mãos
Somos corda pulsante.
Na certeza do estrago, resistimos.
II
*
aos que insistem no silêncio, eu pergunto, onde se localizariam na História?
*
III
Lava o medo da tua pele
Conta dois sétimos de lua
Na tarde do segundo dia
Se pinta pra guerra.
Arruda no cabelo.
(sobre o segundo ato contra o aumento das passagens, $P, Janeiro de 2016)
Me diga que estamos morrendo
porque da morte o renascer se faz urgente.
porque só existe fluxo se cortamos
me diga que morremos, mesmo que aos poucos, mesmo que devagar.
((me diga palavras reconfortantes: me diga que estamos morrendo))
e que logo “nós” não existirá.
que novos laços virão,
que te olharei com olhos frouxos,
que nada me amarrará a você.
(jan.2016)
“e se perceber que estou me apaixonando, me deixe”.
O saber que o carinho y cuidado só virão
quando lá
– como quem brinca de mar ou céu –
eu
me tornar horizonte:
quando só puderes me ver em dias sem nuvens nebulosas.
em dias calculados carinhosamente pela Terra.
*
Agachada tento arrancar com a mão a lembrança jovem da sua pele e seu beijo
arrancar com a mão
tarefa dura essa de, amando, tentar desamar.
Talvez eu seja incurável — serviço mais que perfeito do patriarcado — drama choro apego expectativa desespero.
por isso
“se perceber que estou me apaixonando (de novo) (por você), me deixe” ir.
*