notas: AMARASMULHERES

depois (depois?) de processo de cura primeiro, busco olhar pela janela. respirar o vento e o pólen que elas exalam. sentir seus cheiros. olhar. nesse primeiro passar olhar é o único horizonte com o qual me preocupo.

— pra engolir a ansiedade que nasceu como corpo estranho e se tornou meu corpo. os últimos tempos foram cinza e a única promessa que fui capaz de fazer a mim mesma é que do que o patriarcado fez de mim, faria asa. —

olho pela janela. o vento que bate na cara é bom e forte e frio como tem que ser.

amar as mulheres tem sido uma mulher. tem sido uma casa também, tem sido quatro mulheres. tem sido –e pra mim é como se tivesse sido sempre—uma mulher vermelha.

amar as mulheres tem sido acompanhar de longe-perto uma mulher que amo desde que me entendo por gente voltar a se amar e se cuidar depois de um período turbulento.

amar as mulheres tem sido olhar pra mim também. lesbianizar porque me amo e amo meu corpo-mulher.

me foi ensinado um amor antimulher muito eficaz, é certo. a gaiola da rivalidade feminina se anuncia sobre minha cabeça mais vezes do que eu gostaria e suporto. diversas vezes ela se acomoda ao meu redor. meu esforço tem sido e será me debater até sair.

amar as mulheres tem sido respirar quando falta o ar. bater asas é devir.

colmeia

hermana
mana

borboleta
formiga
cobra
aranha
baleia

abelha

de todas as coisas que nos unem
escolho a pele arrepiada
o entreolhar
a gargalhada

das fortes lembranças:
manada
todas juntas
pés firmes no chão
grito
palavra de ordem
insubmissão

Ódio como combustível
e amor pelas nossas

tem gente querendo tirar isso de nóis

— de novo —

E de todas as coisas que nos matam e nos fazem sangrar
aprendo: a cura é coletiva.
nós lambemos nossas feridas
Em rituais de sororidade
nós lambemos essas feridas
umas das outras.

há séculos em volta da fogueira, na batucada
fazendo chá ou presenteando com espéculos

caminhamos
em manada
em matilha
e nessa colmeia
Rainha somos todas nós juntas.

amar as mulheres

MULHERES são seres-janelas.
lufadas de ar. de oxigênio.
um respirar em baixo d’água.
“feminismo para no ahogarse”

Sororidade é um sentimento tão profundo, tão imerso nas lamas
que é sangrar junto
(física-psicologicamente)
é entender e empatizar o sangrar da outra.
“Sangramos fino eterno e fundo”

Sangramos.

Não há dúvidas de que sangramos esse patriarcado.
diariamente.
amar cuidar saudar tocar lamber esse sangue
meu-delas
é revolução cotidiana.

é preciso amar as mulheres

(a nós mesmas e nossas amigas-irmãs)
é preciso confiar nas mulheres
(a que está cercana e a que não conhecemos)
é preciso priorizar as mulheres
(em tudo)

***

Pés no chão pra ficar perto de mainha

Banho de chuva pra lembrar das abuelitas – de ambos os lados.

Arruda no cabelo pra ser eu mesma, pra criar meus meios de purificar. Pra cheirar cheiro que me agrada. Pra ser curandeira de mim mesma.

***

(fev.2016)

Eu vi um demônio.
Muito diferente do que dizem, ele não era uma aparição: era um homem.

Ele deu um salto,
empunhou a faca e sorriu.
“Cê qué me zuar?”. Andou na direção dela.

Ela não era indefesa.
Carregava nos punhos uma madeira quase da sua altura que ela mesma arrancou do barraco, aos solavancos.

Como se exorciza os demônios dos homens?

“Ele é bicho”, disse ela pra nós, instantes depois, puxando a calça pra baixo.
Queria nos mostrar o roxo-preto que ele fez em suas pernas.
Naquele momento o roxo-preto estava em todas as pernas de todas as mulheres do viaduto. Em todas as pernas de todas as mulheres do mundo.

(de 2015)

Bruxaria

Bruxas são… mulheres.

Não estou falando de fadas, duendes ou anjos: Estou falando de mulheres.

carne-osso-sangue.

Mulheres que reivindicam seus corpos e sua autonomia, sua solidão e sua vida entre iguais.

Mulheres desobedientes.

Mulheres que nunca poderiam se adequar ao patriarcado já que nunca poderão se ajoelhar para pai-deus algum.

Nunca serão esposas submissas, já que sequer serão esposas.

Dessa mesma forma, nunca estarão satisfeitas dentro das engrenagens do capitalismo, visto que renegam todos os papéis disponíveis de boa esposa,

boa funcionária,

boa consumidora,

boa reprodutora.

Aprenderam com suas mães, avós, amigas ou sozinhas a amar seu corpo, sua buceta, seu sangue, seus pelos, seus fluidos.

Aprenderam a se amar primeiramente, a se satisfazer com a própria companhia, a se respeitar, para que nunca dependessem da companhia e/ou tutela de alguém.

Essas mulheres desobedientes são perseguidas por essa sociedade brutal que as rodeia.

Então desobedecem e se insurgem por necessidade, para sobreviver. _______________________________________Tentamos nos manter sãs, tentamos não abdicar da força e sabedoria que temos e sabemos ter.

Mas é exatamente o contrário que exigem de nós.

Nos querem fracas, burras, inocentes, dependentes.

Dizem que somos loucas por não aceitarmos esses papéis de maneira alguma, enquanto que na verdade só estamos lutando … por sanidade… nos manter o que somos.

Bruxas são mulheres de todas as épocas.

Seria uma pretensão e até uma generalização da minha parte dizer que toda mulher é uma bruxa (mesmo que enrustida) então direi que esse é meu desejo mais profundo em relação às mulheres.

(de 2014)

As mulheres do patriarcado são doentes

As mulheres do patriarcado odeiam seus corpos e ensinam suas filhas a odiarem os delas.

As mulheres do patriarcado se odeiam entre si, visto que não conseguem nem amar a si mesmas.

As mulheres do patriarcado estão rendidas: louvam deuses homens em igrejas feitas por homens, geridas por homens, com roupas que os homens acham adequadas.

As mulheres do patriarcado vendem seus corpos.

As mulheres do patriarcado defendem a venda de corpos femininos como se fosse apenas um trabalho.

As mulheres do patriarcado se submetem a relacionamentos com homens medíocres e imbecis porque entendem que é muito importante ter um homem fazendo sua tutela.

As mulheres do patriarcado mutilam seus corpos de variadas formas, conforme a moda.

As mulheres do patriarcado chegaram a parir e em alguns lugares continuam parindo uma criança a cada nove meses.

As mulheres do patriarcado envelhecem precocemente.

As mulheres do patriarcado estão doentes.

E precisam de cura.

(de 2014)