______________________________e quando percebo já estou sorrindo, com planos de fotografá-la dormindo.

Deu certo por um período (15 dias? 20?) Carinho-conversa-beijo-desabafo-sexo-brisa brisada junta. Muita risada. Muito encantamento.

Deixou de dar certo logo depois (ou sou eu que sempre anseio ser feliz com ela? “Pra sempre” como me ensinaram?)

São tempos bons que se sobrepõem aos ruins e vice-versa.

Aprender a vive-los com frescor é minha batalha coração-cabeça.

(de 2015)

Eu vi um demônio.
Muito diferente do que dizem, ele não era uma aparição: era um homem.

Ele deu um salto,
empunhou a faca e sorriu.
“Cê qué me zuar?”. Andou na direção dela.

Ela não era indefesa.
Carregava nos punhos uma madeira quase da sua altura que ela mesma arrancou do barraco, aos solavancos.

Como se exorciza os demônios dos homens?

“Ele é bicho”, disse ela pra nós, instantes depois, puxando a calça pra baixo.
Queria nos mostrar o roxo-preto que ele fez em suas pernas.
Naquele momento o roxo-preto estava em todas as pernas de todas as mulheres do viaduto. Em todas as pernas de todas as mulheres do mundo.

(de 2015)

{de antes}

Tarde-manhã. Rede. Músicas muitas tocando no quarto. Chico Science-Risoflora. Ela.

Suas mãos, sua boca, seu carinho.

Paz.

Leveza enfim.

Vontade de viver a vida desse jeito:

à rede

ao som

à dança

.

aos beijos e gemidos da gente, preta.

(de 2014)

Sobre voltar

Eu demorei cerca de um ano pra perceber que o queer estava me afastando do feminismo.

Perceber isso foi um soco no meio da minha cara.

Percebi que aceitei e absorvi certos posicionamentos que relativizam a opressão patriarcal sobre as mulheres, posicionamentos esses que nos colocam até em posição (totalmente questionável) de privilégio. Me peguei falando sobre “corpos que engravidam” criando uma horizontalidade vazia, onde invisibilizo as agentes da maioria dos abortos, gravidezes forçadas, violências obstétricas, partos e cuidados com a criança: as mulheres. (Não é uma questão de trabalhar apenas com maiorias, mas de ter consciência de que estava cometendo uma injustiça ao colocar todo mundo no mesmo patamar). Percebi que quando conheci o queer boicotei meu interesse (já antigo) sobre a opressão exercida sobre o corpo feminino, seus ciclos, menstruação e etc. porque podia ser essencialista e opressor.

O queer, por ser um movimento que abrange pessoas socializadas como homens e mulheres é, como todo movimento misto, um espaço que PRECISA questionar muitos privilégios masculinos antes de vir ditar o que uma mulher sofre ou não, ou como resolver as coisas pra nós. Assim como tem urgentemente que rever essa esquizofrenia de viver num mundo que não é o que vivemos. Fingindo que o que vivemos em nossa pequena comunidade-bolha-de-amigxs não está de forma alguma refletindo o que está acontecendo do lado de fora:

Faz alguns meses, li numa zine cujo autor é queer, que era errado fazer oficinas de autodefesa exclusiva para mulheres num evento queer. Isso é ignorar toda a criação patriarcal que as mulheres tiveram, isso é fingir que não somos criadas para o medo e para a submissão, e fingir que elas não estariam expostas a possíveis agressores homens nesse meio.

Também há alguns meses li num texto da Beatriz Preciado que “Nós as novas feministas não precisamos de marido porque não somos mulheres”, o que isso significa? Que se formos mulheres precisaríamos de maridos?

No livro da Judith Butler, Problemas de Gênero, ela critica o feminismo, dando a entender que, ao colocar a mulher como seu único agente político, o movimento ignora outras pessoas oprimidas pelo sistema patriarcal. Isso seria verdade, se o movimento feminista não tivesse apoiado ao longo da história as insurgências de gays e travestis, já que, vale lembrar, um número significativo do movimento feminista, historicamente, é composto por lésbicas. Assim como o movimento negro teve relevante apoio das feministas desde pelo menos a década de 1960 (acredito que muito antes, mas me falta esse acúmulo. Tenho certeza apenas de que via movimento anarquista, lutas feministas e negras estão unidas desde o IWW, nos EUA). O feminismo desde seu surgimento questionou a formação Família, visibilizando a opressão da educação infantil (para meninas e meninos). E faz a relação – via feminismo de viés socialista — com a subjugação de empregadas e empregados em casas, fábricas, empresas e etc. sob a tutela patriarcal.

Precisamos entender o seguinte: colocar a mulher como principal agente político é o que faz feminismo ser feminismo. Apoiar outros movimentos é uma questão de solidariedade e clareza na abrangência que queremos dar a palavra libertação.

Esse texto é mais do que tudo um autopedido de desculpas pelo período de descaso e contradição. O que fica é:

Não tire a importância do feminismo com seu discurso pós-moderno de liberdades apenas individuais. O feminismo salva vidas todos os dias. Ele empodera mulheres, lhes devolve o sorriso e nos faz pisar forte em nossa caminhada.

O feminismo é, com certeza, a coisa mais importante que aconteceu na minha vida. Defender e cuidar das minhas irmãs ainda é a coisa mais importante que eu consigo vislumbrar e é também a militância que eu escolhi percorrer.

(de 2014)

Da série sobre menstruação: Copinho

Tenho uma relação muito legal com meu copinho.

Uso o coletor menstrual a mais ou menos um ano e meio.

Tudo o que acontece durante a menstruação mudou (pra melhor, diga-se de passagem) desde que eu o uso. Menstruar nunca mais foi um problema pra mim.

Sou muito avoada então era frequente eu estar na rua/trabalho/escola desesperada atrás de um absorvente. Ou então me esquecer de pegar mais e passar metade do dia na rua, totalmente desconfortável, achando que a qualquer momento o meu absorvente ia vazar e sujar minhas roupas.

Minha vida toda usei absorvente externo e no calor era um suplício. Cheguei a ficar com a virilha bastante assada (bem na parte das dobras das coxas) por conta do atrito com o papel/cola.

E bom, por conta do meu descuido em trocar mais vezes por dia, as minhas roupas realmente chegaram a sujar “visivelmente” (entre aspas porque foi pouco, mas visível).

Quase todas as minha amigas do período da escola eram meio pilhadas com o fato de o absorvente poder vazar e as sujar (eu disse quase?).

Desde que eu tenho o copinho minha relação com o sangue, com minha vagina, com minhas roupas, meu calor e etc. mudaram.

Hoje eu lido com meu sangue. Sei quando está muito coagulado ou muito liso. Sei sua cor e principalmente: sei sua quantidade.

Digo ‘principalmente’ porque não temos como ter uma dimensão certa da quantidade em absorventes de papel/algodão. Porque ele absorve e espalha. Temos a sensação de sempre ter muito sangue lá.

Eu sempre me masturbei, mas minha relação com minha vagina também mudou depois que eu passei a usar coletor.

É preciso colocá-lo e tirá-lo do jeito certo, tem o lance do vácuo e dele estar todo desdobrado pra encaixar. A gente tem que dobrar ele pra colocar e tem que ser uma dobra confortável.

Descobri principalmente a força da musculatura da minha vagina. Consigo empurrá-lo facilmente quando quero tirá-lo, até um ponto que facilita puxar ele.

Não tenho mais neura de vazar e sujar toda a minha roupa, por mais que já tenha vazado um pouquinho numas vezes que eu coloquei errado, e é aí que entra a parte mais bonita da história: eu menstruo, sabe? Todo mês. E, por mais que tentem pela publicidade transformar num líquido azul sobre um absorvente brilhante, o que eu menstruo é sangue. Ele não é sujo nem nojento. Ele é natural e vai me acompanhar durante toda minha vida fértil.

Eu ando adorando minha menstruação, aprendendo muito sobre mim e sobre ler meu corpo e esse texto faz parte da minha tentativa de falar sobre nossas coisas não-ditas.

Espero que inspire

Bruxaria

Bruxas são… mulheres.

Não estou falando de fadas, duendes ou anjos: Estou falando de mulheres.

carne-osso-sangue.

Mulheres que reivindicam seus corpos e sua autonomia, sua solidão e sua vida entre iguais.

Mulheres desobedientes.

Mulheres que nunca poderiam se adequar ao patriarcado já que nunca poderão se ajoelhar para pai-deus algum.

Nunca serão esposas submissas, já que sequer serão esposas.

Dessa mesma forma, nunca estarão satisfeitas dentro das engrenagens do capitalismo, visto que renegam todos os papéis disponíveis de boa esposa,

boa funcionária,

boa consumidora,

boa reprodutora.

Aprenderam com suas mães, avós, amigas ou sozinhas a amar seu corpo, sua buceta, seu sangue, seus pelos, seus fluidos.

Aprenderam a se amar primeiramente, a se satisfazer com a própria companhia, a se respeitar, para que nunca dependessem da companhia e/ou tutela de alguém.

Essas mulheres desobedientes são perseguidas por essa sociedade brutal que as rodeia.

Então desobedecem e se insurgem por necessidade, para sobreviver. _______________________________________Tentamos nos manter sãs, tentamos não abdicar da força e sabedoria que temos e sabemos ter.

Mas é exatamente o contrário que exigem de nós.

Nos querem fracas, burras, inocentes, dependentes.

Dizem que somos loucas por não aceitarmos esses papéis de maneira alguma, enquanto que na verdade só estamos lutando … por sanidade… nos manter o que somos.

Bruxas são mulheres de todas as épocas.

Seria uma pretensão e até uma generalização da minha parte dizer que toda mulher é uma bruxa (mesmo que enrustida) então direi que esse é meu desejo mais profundo em relação às mulheres.

(de 2014)

As mulheres do patriarcado são doentes

As mulheres do patriarcado odeiam seus corpos e ensinam suas filhas a odiarem os delas.

As mulheres do patriarcado se odeiam entre si, visto que não conseguem nem amar a si mesmas.

As mulheres do patriarcado estão rendidas: louvam deuses homens em igrejas feitas por homens, geridas por homens, com roupas que os homens acham adequadas.

As mulheres do patriarcado vendem seus corpos.

As mulheres do patriarcado defendem a venda de corpos femininos como se fosse apenas um trabalho.

As mulheres do patriarcado se submetem a relacionamentos com homens medíocres e imbecis porque entendem que é muito importante ter um homem fazendo sua tutela.

As mulheres do patriarcado mutilam seus corpos de variadas formas, conforme a moda.

As mulheres do patriarcado chegaram a parir e em alguns lugares continuam parindo uma criança a cada nove meses.

As mulheres do patriarcado envelhecem precocemente.

As mulheres do patriarcado estão doentes.

E precisam de cura.

(de 2014)