zine utopias lésbicas

ACORDEI COM O SOL NA JANELA, vou como de costume assar a massa que deixei crescendo durante a noite. cuando as otras acordarem a casa terá cheiro de pão.
ainda estou semidespida, o calor desse verão é muito forte – eu adoro.
a lembrança que a nudez pode se tornar um problema é distante, como uma pulga atrás da orelha de quem aprendeu a viver com medo.
desaprender leva tempo, mas é mais fácil aqui: onde esse medo não existe concretamente. as meninas que aqui crescem não estão mutiladas pelo medo: jamais carregarão cicatrizes como as minhas y essa certeza me cura.
aos poucos as mulheres acordam. cada uma ao seu tempo. dormimos juntas quando queremos, mas todas têm seu espaço – aprendemos solitude de una maneira doce – o único quarto coletivo fixamente é o das crianças, cuidam-se entre si y se divertem mais em alcateia.
o café da manhã aos poucos se torna una roda animada, umas contam o sonho que tiveram, otras ajudam a interpretar, lembramos de histórias y mitos que ajudam a entender as simbologias, contamos histórias às crias y unas às otras. aos poucos vamos saindo da mesa y geralmente só sobram as mais falantes.
eu peguei o hábito de andar de bicicleta ou à cavalo depois do café da manhã. sentir o vento correr em meu rosto nesse descampado sobre pedras tão velhas,
cuidar do meu silêncio,
tomar sol.

UTOPIAS LÉSBICAS

a zine completa para baixar aqui

não quero [só] amar. não quero viver de amor.
pisano sussurra no meu ouvido que feminilidade é domesticação. e eu concordo e eu concordo e eu concordo.
amor romântico não é frase leve. leia de novo: amor romântico. é doença é doença. é amargo de tão doce. faz mal. me mata aos pouquinhos. come minha leveza. come minha espontaneidade. come meu frescor.

e faz tempo que eu sei disso. mesmo quando não sabia, mesmo quando sofria esperando que a resolução fosse um relacionamento perfeito que iria aparecer no horizonte em algum momento: sabia que me enganava. sabia que desse mal nada de bom sai. não sai.

ontem boba falei pra ela “mas há meses que eu tento” [desde que estou com ela] e ela, sábia que é, me diz “em meses a gente engatinha”.

não quero viver de amor. não quero pensar em amor. odeio amor. porque é exatamente sobre isso que se trata o amor romântico. ódio, rancor, ciúme, medo. insegurança insegurança insegurança. e muitas vezes em mim vem como desespero-buraco-na-barriga.

às vezes esqueço que amar é bom. e sepá eu devia esquecer mesmo. pensar só em autoamor. só em me autoamar. cuidar de mim e do meu corpinho e dessa cabeça que tem dias que não adianta não funciona e não produz porque não dá.

a feminilidade é domesticação. a cabeça da mulher está doente. o corpo da mulher tem que aprender a amar no plural. em eu-elas. e não amar casal. não amar romântico porque isso adoece.

a cabeça-corpo-coração-pulmão mulher tem que aprender a amar amiga.

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sepá a cura está aí. o amar-amiga pode trazer sexualidade, pode trazer paixão. mas não traz carga pesada que é romance.

desaprender.
amar aS mulhereS
despatriarcalizar.