Margarita Pisano “O Triunfo da Masculinidade” – Tradução

Tradução de “O Triunfo da Masculinidade”, da chilena, lésbica e feminista radical Margarita Pisano.

https://pt.scribd.com/document/341673780/Margarita-Pisano-O-Triunfo-Da-Masculinidade-Traducao-Completa

Tradução coletiva feita pelo grupo Estudos no Brejo, que acontece semanalmente no Brejo das Flores. São Paulo, $P. 2017. É livre e incentivada sua divulgação, impressão e difusão. Viva as sapatão resistência!

gênero é construção SOCIAL

quase cinco anos atrás eu compartilhei no FB esse bordado. eu tinha 19 anos e meu feminismo estava se estabelecendo e se refinando, pra nunca mais sair das minhas miradas.
todas concordamos com o bordado? “gênero é uma construção social”, diz a foto. SOCIAL. não biológica. não tem essa de nascer no corpo errado: tudo o que a gente entende por “corpo certo”, “corpo errado” foi construído socialmente.

rosa vs azul tá ultrapassado pra você? então pense em maquiagem vs natural. cabelo comprido vs cabelo curto. peluda vs pelada. pense o que quiser.
não existe “nascer mulher”, nem no “corpo certo”, nem no “corpo errado”.
Gênero é construção social.

“mulher que nasceu mulher” é aquela que sofreu opressão misógina desde a barriga da mãe e que nunca optou por isso — e nunca se “identificará” com isso.
“mulher que se identifica como mulher” é aquela que num dado momento da vida (umas antes, outras depois) percebeu que não se adequava aos padrões masculinos de gênero e achou que a resposta estaria no outro polo. Tipo aquilo que cês chamam de binarismo, sabe?

Então: OU é homem OU é mulher (mesmo que as genitais estejam trocadas certo?). Binarismo também porque se a mina gosta de mina e não gosta de feminilidade ela é automaticamente jogada pro outro polo: deve ser um homem.

loco pensar que a ideologia de gênero mais atual (moderna, fascinante, revolucionária) esteja reproduzindo padrões tão heterossexuais, não? Sim, porque se um casal de lésbicas está se tornando um casal (muitas vezes autointitulado) “hétero” tem algo errado, né? (mulher amando mulher? onde já se viu?!) Uma bicha afeminada não pode mais ser o que é: tem que ser mulher (bicha afeminada é destruição demais pra essa sociedade).

Sério que não soa como cura gay pra vocês?

Crianças que não se adequam aos padrões de gênero (lembra do termo? criança viada?) estão sendo curadas!

enquanto isso eu só fico pensando:
gênero é criação do patriarcado. gênero é hierarquia. homem sobre mulher. o patriarcado sempre vai se reinventar pra gente reproduzir a velha ladainha. gênero é construção social. SOCIAL. e a socialização nunca falha.

vômito

[ATENÇÃO: esse texto é um gatilho para traumas adquiridos pela heterossexualidade compulsória]

Avistou o alecrim e vomitou.
Longamente vomitou.
___nunca mais pode sentir seu gosto, seu cheiro ou ver seu aspecto pontudo sem uma densa náusea.

Vomitou café da manhã-almoço
vomitou água
teria vomitado intestino-útero-pulmão se ainda os tivesse.

Ela estava oca.

Oca desde a terça-feira passada que, ao chegar em casa com a muda da planta alegre na mão foi abordada por seu companheiro que beijoabraçocarinhosorriso a estuprou. Ela empurrou, disse que não tava afim, argumentou cansaço, mas ele queria “transar” então a estuprou. Ela não brigou, nem gritou… sequer falou.
Foi direto pro banheiro
se lavou
e vomitou todos os órgãos ao perceber que nunca havia “transado”.

Era impossível mensurar quantas vezes esteve ali, naquele lugar, segurando a náusea e esperando acabar.
mas nunca havia vomitado.
o cheiro do alecrim era impossível de suportar.

foi embora na mesma madrugada, aos berros.
O som ecoava dentro de seu oco.

Chegou na casa da irmã com arruda num vaso.

Seis dias depois, voltando do trabalho avistou o alecrim e vomitou.

A brisa que surgiu na rua a ajudou a recuperar o fôlego.

Tenho tentado me manter sóbria – Sobre álcool e capitalismo.

Estou há três meses evitando consumir álcool e tenho conseguido me manter sóbria (exceto numa noite). A princípio parei de beber para seguir um tratamento de ginecologia natural (contra candidíase) e é óbvio que foi difícil nega-lo. Às vezes eu soo exagerada pra mim mesma quando penso sobre a presença do álcool na minha vida, mas olhando com verdade — mulher, pobre, 24 anos, solteira sem filhas, morando com as amigas — eu represento bem uma faixa jovem de consumidoras de álcool, e eu poderia dizer facilmente que 95% das pessoas que me cercam consomem álcool no mínimo uma vez na semana. E nós consumimos muito álcool.

Anos atrás, quando eu ainda era politicamente contra todo tipo de entorpecentes e consumia álcool muito esporadicamente, minhas críticas ao álcool eram exatamente as que eu tenho hoje:
As pessoas ficam bêbadas (e muitas vezes chatas pra porra);
Não controlam totalmente suas ações (ou tem aval social para isso);
Brigam, agridem, abusam e estupram e depois colocam a culpa no álcool;
São mais facilmente manipuláveis e ficam fisicamente à deriva (principalmente mulheres);
A publicidade é misógina;
Se trata de uma Indústria milionária;
Gastamos o dinheiro que não temos (ou que poderia ser usado em algo mais útil);
Ficamos politicamente estagnadas (só naquele momento? Ok. Mas e quem bebe toda semana? E todo dia? E a ressaca?).
E todas essas críticas cabem perfeitamente em: ausência de crítica radical sobre nossas ações cotidianas.

Ao longo dos últimos três anos fui abandonando esses pensamentos e aos poucos comecei a me achar muito carola por pensar isso. Nesses três anos passei a me relacionar cada vez mais com pessoas que usavam algum tipo de entorpecentes e/ou que frequentavam assiduamente bares, depois passei a trabalhar e militar com pessoas com esse mesmo hábito e, não por coincidência, passei a beber quase que diariamente.

Calma, eu não vou fazer um texto sobre como as más influências nos tiram do caminho de jesus.

Beber quase que diariamente era uma decisão. Eu gosto do sabor da cerveja — principalmente em dias quentes (e das cachaças nos dias frios rs). Eu gosto (quase sempre) do ambiente bar-cerveja-conversa. Mas é bom lembrar: todos esses “gostos” são construídos socialmente, eu me acostumei com o gosto amargo da cerveja, eu aprendi que não curtir beber era ser moralista, eu aprendi que o ambiente de bar era um lugar masculino e que, como feminista, era massa eu ocupar esse lugar. De qualquer forma, beber uma depois do almoço ou depois do trampo (ou os dois) se tornou rotina e era uma maneira muito boa (muito boa mesmo) de esquecer ou relaxar um pouco dos problemas que enfrentávamos no trampo/militância.

E esse é um dos pontos principais:

Trabalhar, militar (e pra muita gente apenas sobreviver) é psicologicamente difícil. Queremos e precisamos muitas vezes nos desligar um pouco, encher a cara com as amigas e cantar (ou chorar) (ou os dois). Mas isso não é “parte da vida”, é reflexo da vida de merda que levamos nesse Sistema.
Nunca vou me sentir no direito de dizer a alguém que precisa relaxar um pouco, que na verdade ela deveria estar sóbria e lutando.
Só que a questão não está no que EU digo pras pessoas fazerem ou não, mas no que o Sistema diz. O Capitalismo diz que pra gente ficar bem e relaxar a gente tem que consumir algo. Repare que toda ‘diversão’ dentro desse sistema é comprável. Encontrar as amigas? Só se for num restaurante ou *óbvio* um bar.

(Se você bebe, tente o seguinte exercício: encontre suas amigas num lugar que não seja um bar e onde vocês não consumam álcool. Ou melhor ainda: pare de beber e tente frequentar os mesmos lugares que frequenta hoje).

Um dos meus principais incômodos assim que parei de beber foi perceber como todos os lugares que eu mais frequentava eram centrados no consumo de álcool e como a socialização e amizade e presença giravam em torno dele. Esses lugares se tornavam terrivelmente chatos se eu estava sóbria. E isso inclui as pessoas.

Ficar bêbada é uma das opções de ‘diversão’ que o capitalismo oferece. Para ficar bêbada a gente tem que dar em troca aqueles papeizinhos que ele inventou, chamados dinheiro. Tenho que dizer que precisamos de um trampo pra ter dinheiro? – tá, tem gente que não precisa – mas nós precisamos. E é muito importante que precisemos de um trampo: são 8h + 2h de transporte (ou 3h, ou 4h). É um salário que banca as contas e, quando bebemos, o álcool será incluído nas contas. A gente vive apertada, mas não deixa de beber.

Três anos atrás, eu (repito: mulher jovem, solteira sem filhas, na época morando com minha família e bancando parte das contas de lá) recebia um salário de R$800,00 e não bebia. Me sobravam pelo menos R$200,00 todo mês. Depois que passei a beber quase diariamente, recebendo uns R$1000,00 e ainda vivendo na mesma casa, nada me sobrava.
É nosso dia inteiro, nossa semana inteira, nosso mês inteiro pro Sistema. Arranjamos tempo pra lutar, é óbvio que sim, mas é nas brechas do Sistema que fazemos isso. E é um privilégio que temos, porque muita gente não tem absolutamente tempo nenhum.

O Sistema quer que a gente trabalhe e depois fique inerte? (e aqui eu problematizo o álcool como agente forçador dessa estagnação) Sim.
Também quer que: i) não vejamos isso (e mais uma caralhada de coisa), ii) não lutemos contra essas coisas, iii) não tenhamos possibilidade (nem material, nem psicológica, nem acúmulo de prática, nem de teoria, nem tempo) de criar e sustentar modos de vida radicais e revolucionários dentro do nosso cotidiano.
Pense com sinceridade sobre o que significa “happy hour”.

Não estou jogando aqui “todas as pessoas deveriam largar seus empregos, parar de beber e fazer a revolução” (não?). Muito menos ficar crucificando individualmente quem bebe por N motivos. Mas fico pensando como raios podemos ser feministas, anticapitalistas, acreditar em revolução cotidiana, que o pessoal e político e ao mesmo tempo defender com unhas e dentes modos de vida que nos fazem simplesmente consumidoras em estagnação?

Perceba, nesse meu relato falta problematizar mil coisas. A publicidade é misógina, a violência (principalmente a doméstica) é agravada pelo consumo de álcool, seu consumo estraga o corpo de diversas formas, o alcoolismo causa isolamento e é ferramenta de extermínio de pobres (assim como as drogas, mas isso é outro assunto). Falta também dizer o que são as outras drogas lícitas e a quem servem. E todas essas coisas são pautas da nossa luta.

Conseguimos abandonar vários hábitos escrotos de consumo, deixamos de frequentar muitos lugares, reinventamos várias formas de existir e conviver, mas defendemos ideológica e politicamente o consumo de álcool.
Como disseram as companheiras do coletivo anarquista La Vaga Que Volem, em uma carta explicando porque não aceitariam na campanha delas dinheiro arrecadado com a venda de cerveja, “É verdade, todas temos práticas à margem da militância e inclusive contradições, mas nenhuma delas é levantada como bandeira, nenhuma é usada como referência de nosso movimento”, por que estamos fazendo isso?

A gente quer ócio criativo, daí existe o álcool e outras drogas: ficamos apenas com o ócio (que melhor seria chamado de inércia).

[traduzi a carta do coletivo La Vaga Que Volem, tá aqui: https://cirandabruta.noblogs.org/post/2016/09/17/carta-la-vaga-que-volem/ ]

colmeia

hermana
mana

borboleta
formiga
cobra
aranha
baleia

abelha

de todas as coisas que nos unem
escolho a pele arrepiada
o entreolhar
a gargalhada

das fortes lembranças:
manada
todas juntas
pés firmes no chão
grito
palavra de ordem
insubmissão

Ódio como combustível
e amor pelas nossas

tem gente querendo tirar isso de nóis

— de novo —

E de todas as coisas que nos matam e nos fazem sangrar
aprendo: a cura é coletiva.
nós lambemos nossas feridas
Em rituais de sororidade
nós lambemos essas feridas
umas das outras.

há séculos em volta da fogueira, na batucada
fazendo chá ou presenteando com espéculos

caminhamos
em manada
em matilha
e nessa colmeia
Rainha somos todas nós juntas.

“Sou herdeira de rezas e benzeduras. De mulheres que encontraram nos contornos da castração social, brechas por onde deixar infiltrar os poderes ancestrais femininos. Mulheres que cultivam remédio para todos os males, entre flores e folhas, histórias e sonhos, palavras e canções. […] Sou herdeira de mulheres simples, sabedoras, que fazem da rotina um ritual. Com a vassoura varrem os pensamentos ruins, as lembranças difíceis, e assim vão varrendo até a calçada, até a estrada. Fazem da casa um relicário, baús que guardam histórias tramadas no algodão, o café exalando aroma de saudade gostosa. Fazem do quintal um altar, lugar maior que o mundo, composto de silêncios e de restos, repleto de símbolos de poder.”

amar as mulheres

MULHERES são seres-janelas.
lufadas de ar. de oxigênio.
um respirar em baixo d’água.
“feminismo para no ahogarse”

Sororidade é um sentimento tão profundo, tão imerso nas lamas
que é sangrar junto
(física-psicologicamente)
é entender e empatizar o sangrar da outra.
“Sangramos fino eterno e fundo”

Sangramos.

Não há dúvidas de que sangramos esse patriarcado.
diariamente.
amar cuidar saudar tocar lamber esse sangue
meu-delas
é revolução cotidiana.

é preciso amar as mulheres

(a nós mesmas e nossas amigas-irmãs)
é preciso confiar nas mulheres
(a que está cercana e a que não conhecemos)
é preciso priorizar as mulheres
(em tudo)

Sobre voltar

Eu demorei cerca de um ano pra perceber que o queer estava me afastando do feminismo.

Perceber isso foi um soco no meio da minha cara.

Percebi que aceitei e absorvi certos posicionamentos que relativizam a opressão patriarcal sobre as mulheres, posicionamentos esses que nos colocam até em posição (totalmente questionável) de privilégio. Me peguei falando sobre “corpos que engravidam” criando uma horizontalidade vazia, onde invisibilizo as agentes da maioria dos abortos, gravidezes forçadas, violências obstétricas, partos e cuidados com a criança: as mulheres. (Não é uma questão de trabalhar apenas com maiorias, mas de ter consciência de que estava cometendo uma injustiça ao colocar todo mundo no mesmo patamar). Percebi que quando conheci o queer boicotei meu interesse (já antigo) sobre a opressão exercida sobre o corpo feminino, seus ciclos, menstruação e etc. porque podia ser essencialista e opressor.

O queer, por ser um movimento que abrange pessoas socializadas como homens e mulheres é, como todo movimento misto, um espaço que PRECISA questionar muitos privilégios masculinos antes de vir ditar o que uma mulher sofre ou não, ou como resolver as coisas pra nós. Assim como tem urgentemente que rever essa esquizofrenia de viver num mundo que não é o que vivemos. Fingindo que o que vivemos em nossa pequena comunidade-bolha-de-amigxs não está de forma alguma refletindo o que está acontecendo do lado de fora:

Faz alguns meses, li numa zine cujo autor é queer, que era errado fazer oficinas de autodefesa exclusiva para mulheres num evento queer. Isso é ignorar toda a criação patriarcal que as mulheres tiveram, isso é fingir que não somos criadas para o medo e para a submissão, e fingir que elas não estariam expostas a possíveis agressores homens nesse meio.

Também há alguns meses li num texto da Beatriz Preciado que “Nós as novas feministas não precisamos de marido porque não somos mulheres”, o que isso significa? Que se formos mulheres precisaríamos de maridos?

No livro da Judith Butler, Problemas de Gênero, ela critica o feminismo, dando a entender que, ao colocar a mulher como seu único agente político, o movimento ignora outras pessoas oprimidas pelo sistema patriarcal. Isso seria verdade, se o movimento feminista não tivesse apoiado ao longo da história as insurgências de gays e travestis, já que, vale lembrar, um número significativo do movimento feminista, historicamente, é composto por lésbicas. Assim como o movimento negro teve relevante apoio das feministas desde pelo menos a década de 1960 (acredito que muito antes, mas me falta esse acúmulo. Tenho certeza apenas de que via movimento anarquista, lutas feministas e negras estão unidas desde o IWW, nos EUA). O feminismo desde seu surgimento questionou a formação Família, visibilizando a opressão da educação infantil (para meninas e meninos). E faz a relação – via feminismo de viés socialista — com a subjugação de empregadas e empregados em casas, fábricas, empresas e etc. sob a tutela patriarcal.

Precisamos entender o seguinte: colocar a mulher como principal agente político é o que faz feminismo ser feminismo. Apoiar outros movimentos é uma questão de solidariedade e clareza na abrangência que queremos dar a palavra libertação.

Esse texto é mais do que tudo um autopedido de desculpas pelo período de descaso e contradição. O que fica é:

Não tire a importância do feminismo com seu discurso pós-moderno de liberdades apenas individuais. O feminismo salva vidas todos os dias. Ele empodera mulheres, lhes devolve o sorriso e nos faz pisar forte em nossa caminhada.

O feminismo é, com certeza, a coisa mais importante que aconteceu na minha vida. Defender e cuidar das minhas irmãs ainda é a coisa mais importante que eu consigo vislumbrar e é também a militância que eu escolhi percorrer.

(de 2014)

Da série sobre menstruação: Copinho

Tenho uma relação muito legal com meu copinho.

Uso o coletor menstrual a mais ou menos um ano e meio.

Tudo o que acontece durante a menstruação mudou (pra melhor, diga-se de passagem) desde que eu o uso. Menstruar nunca mais foi um problema pra mim.

Sou muito avoada então era frequente eu estar na rua/trabalho/escola desesperada atrás de um absorvente. Ou então me esquecer de pegar mais e passar metade do dia na rua, totalmente desconfortável, achando que a qualquer momento o meu absorvente ia vazar e sujar minhas roupas.

Minha vida toda usei absorvente externo e no calor era um suplício. Cheguei a ficar com a virilha bastante assada (bem na parte das dobras das coxas) por conta do atrito com o papel/cola.

E bom, por conta do meu descuido em trocar mais vezes por dia, as minhas roupas realmente chegaram a sujar “visivelmente” (entre aspas porque foi pouco, mas visível).

Quase todas as minha amigas do período da escola eram meio pilhadas com o fato de o absorvente poder vazar e as sujar (eu disse quase?).

Desde que eu tenho o copinho minha relação com o sangue, com minha vagina, com minhas roupas, meu calor e etc. mudaram.

Hoje eu lido com meu sangue. Sei quando está muito coagulado ou muito liso. Sei sua cor e principalmente: sei sua quantidade.

Digo ‘principalmente’ porque não temos como ter uma dimensão certa da quantidade em absorventes de papel/algodão. Porque ele absorve e espalha. Temos a sensação de sempre ter muito sangue lá.

Eu sempre me masturbei, mas minha relação com minha vagina também mudou depois que eu passei a usar coletor.

É preciso colocá-lo e tirá-lo do jeito certo, tem o lance do vácuo e dele estar todo desdobrado pra encaixar. A gente tem que dobrar ele pra colocar e tem que ser uma dobra confortável.

Descobri principalmente a força da musculatura da minha vagina. Consigo empurrá-lo facilmente quando quero tirá-lo, até um ponto que facilita puxar ele.

Não tenho mais neura de vazar e sujar toda a minha roupa, por mais que já tenha vazado um pouquinho numas vezes que eu coloquei errado, e é aí que entra a parte mais bonita da história: eu menstruo, sabe? Todo mês. E, por mais que tentem pela publicidade transformar num líquido azul sobre um absorvente brilhante, o que eu menstruo é sangue. Ele não é sujo nem nojento. Ele é natural e vai me acompanhar durante toda minha vida fértil.

Eu ando adorando minha menstruação, aprendendo muito sobre mim e sobre ler meu corpo e esse texto faz parte da minha tentativa de falar sobre nossas coisas não-ditas.

Espero que inspire