ode ao ódio III

o nome daquele sentimento estranho de estar com uma pedra no sapato, mas não parar pra tirar porque se está atrasada pela quarta vez essa semana tornando a manhã dessa quinta-feira já longa demais, contando que ainda são 7h19, é capitalismo.
e já não bastasse ser uma segunda-feira de 16° e chuva, ainda tenho que andar rápido com meu tênis duvidoso meio ao medo de escorregar em alguma tampa de metal e cair, já que estou em cima da hora pra chegar no trabalho.
o nome daquele sentimento estranho de detestar botar seu dedo para uma luz vermelha ler sua digital e então recolher um papel que diz que você não foi rápida o suficiente é capitalismo.

[desenho: eu subindo o último beco antes de chegar no portão do prédio onde trabalho, na minha mão o celular acusa: 8h06min]

o nome daquele sentimento estranho que tantas vezes te impede de curtir o final de um domingo com Sol já que se está adiantando o pensamento doloroso de que amanhã é segunda-feira, é capitalismo.
e todas as vezes que você acordou num sábado correndo achando que estava atrasada e/ou acordou numa terça-feira achando que era domingo e desligou o despertador tranquila com meio sorriso no rosto, foram armadilhas da sua mente, cansada e acostumada com uma vida regrada ao relógio-despertador.

odeio despertadores na mesma proporção que odeio o capitalismo
odeio o capitalismo na mesma proporção que odeio acordar cedo todo dia
odeio acordar cedo todo dia na mesma proporção que odeio ponto eletrônico
odeio ponto eletrônico na mesma proporção que odeio o patriarcado.

alguém escreveu em algum muro de algum lugar e galeano leu: eu não quero sobreviver, eu quero viver.

ode ao ódio III

ode ao ódio I

a gente não quer, mas a gente odeia — às vezes a gente quer sim. odeia as tatuagem, o que jeito que fala, onde já foi — principalmente o que pensa y consequentemente o que faz. a gente odeia sim. odeia y parece rivalidade feminina. odeia y parece manha ou ciúmes. odeia y parece gratuito. mas não é. se tem uma coisa que é, é caro. a gente odeia até a tranquilidade. a simpatia y a polidez que aprenderam bem. às vezes odeia e nem pá. olha pro lado, muda de assunto, vai mijar. outras vezes odeia mesmo. do peito latejar. eu odeio e não ligo. não me faz mal odiar. o ódio alimenta a classe de baixo e nos faz mais fortes, mais convencidas y confiantes. odiar o que vem de cima nos dá autoestima às vezes. ganas pra luta.

[o nome pode ser ode ao ódio ou áries pobre. escrevi pensando nesse povo que ostenta drinque de vinte conto no rolê “alternativo”. nesse povo que viaja pras europa e fala “mas aqui é brasil” dando de entender “aqui posso tudo”. esse povo que organiza “som legal”, mas sempre “esquece” de questionar, racializar e tornar acessível financeiramente. esse povo que pensa várias coisas sobre política na bolha de amigas da mesma cor e classe. o nome pode ser ode ao ódio ou áries pobre]