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como bons cristãos, cês curte mesmo é uma meritocracia.
história de superação, volta por cima, trampe enquanto eles dormem, sem tempo pra dor.
cês odeiam quem perde. e odeiam mais quem não joga. cês odeiam quem dá seus pulos e consegue fazer com menos. e cês odeiam demais quem tenta e não consegue, odeiam quem não tem grana pra terapia, odeiam quem não tem a ilusão de vencer.
eu tenho pensado muito que não existe paz no patriarcado, e isso me atormenta. já fui mais otimista, apesar de ainda ser um tanto quando faz sol.
esses tempos atrás eu tive medo medo medo. não sabia o que fazer do meu corpo impotente, tremendo. lembrei de ter 13 anos e achar fielmente que iria morrer toda noite. toda noite, por não sei quanto tempo. as pernas tremiam. lembrei de mim sozinha e silenciosa, sem nem saber por onde começar, como que ia contar pra alguém? lembrei e fui tomar banho morno, me cobrir e tentar escapar dos pensamentos ruins. sozinha porque se algo que eu aprendi é que levantar no dia seguinte depois de ter dado conta é gratificante, de um jeito torto, mas bom. uma hora o sono vai superar o caos da cabeça. aos 13 nada no mundo me convencia de dormir, caía de cansaço, aceitando de alguma maneira muito triste que poderia ser que eu morresse naquela desistência.
e cês odeiam quem desiste. odeiam suicídas e odeiam quem fracassa. e talvez seja só uma maneira de defender suas insistências. a questão é que depressão só é bonito na boca de quem se curou. e cês não quer ouvir desabafo nem reclamação nem conseguem acalentar alguém desolada, muito menos quem chora. como bons cristãos, cês amam mesmo quem fez por merecer, ou seja, quem engoliu pedra e não te deu o desprazer de dividir a carga da sobrevivência com sanidade.