ode ao ódio III

o nome daquele sentimento estranho de estar com uma pedra no sapato, mas não parar pra tirar porque se está atrasada pela quarta vez essa semana tornando a manhã dessa quinta-feira já longa demais, contando que ainda são 7h19, é capitalismo.
e já não bastasse ser uma segunda-feira de 16° e chuva, ainda tenho que andar rápido com meu tênis duvidoso meio ao medo de escorregar em alguma tampa de metal e cair, já que estou em cima da hora pra chegar no trabalho.
o nome daquele sentimento estranho de detestar botar seu dedo para uma luz vermelha ler sua digital e então recolher um papel que diz que você não foi rápida o suficiente é capitalismo.

[desenho: eu subindo o último beco antes de chegar no portão do prédio onde trabalho, na minha mão o celular acusa: 8h06min]

o nome daquele sentimento estranho que tantas vezes te impede de curtir o final de um domingo com Sol já que se está adiantando o pensamento doloroso de que amanhã é segunda-feira, é capitalismo.
e todas as vezes que você acordou num sábado correndo achando que estava atrasada e/ou acordou numa terça-feira achando que era domingo e desligou o despertador tranquila com meio sorriso no rosto, foram armadilhas da sua mente, cansada e acostumada com uma vida regrada ao relógio-despertador.

odeio despertadores na mesma proporção que odeio o capitalismo
odeio o capitalismo na mesma proporção que odeio acordar cedo todo dia
odeio acordar cedo todo dia na mesma proporção que odeio ponto eletrônico
odeio ponto eletrônico na mesma proporção que odeio o patriarcado.

alguém escreveu em algum muro de algum lugar e galeano leu: eu não quero sobreviver, eu quero viver.

ode ao ódio III