Eu demorei cerca de um ano pra perceber que o queer estava me afastando do feminismo.
Perceber isso foi um soco no meio da minha cara.
Percebi que aceitei e absorvi certos posicionamentos que relativizam a opressão patriarcal sobre as mulheres, posicionamentos esses que nos colocam até em posição (totalmente questionável) de privilégio. Me peguei falando sobre “corpos que engravidam” criando uma horizontalidade vazia, onde invisibilizo as agentes da maioria dos abortos, gravidezes forçadas, violências obstétricas, partos e cuidados com a criança: as mulheres. (Não é uma questão de trabalhar apenas com maiorias, mas de ter consciência de que estava cometendo uma injustiça ao colocar todo mundo no mesmo patamar). Percebi que quando conheci o queer boicotei meu interesse (já antigo) sobre a opressão exercida sobre o corpo feminino, seus ciclos, menstruação e etc. porque podia ser essencialista e opressor.
O queer, por ser um movimento que abrange pessoas socializadas como homens e mulheres é, como todo movimento misto, um espaço que PRECISA questionar muitos privilégios masculinos antes de vir ditar o que uma mulher sofre ou não, ou como resolver as coisas pra nós. Assim como tem urgentemente que rever essa esquizofrenia de viver num mundo que não é o que vivemos. Fingindo que o que vivemos em nossa pequena comunidade-bolha-de-amigxs não está de forma alguma refletindo o que está acontecendo do lado de fora:
Faz alguns meses, li numa zine cujo autor é queer, que era errado fazer oficinas de autodefesa exclusiva para mulheres num evento queer. Isso é ignorar toda a criação patriarcal que as mulheres tiveram, isso é fingir que não somos criadas para o medo e para a submissão, e fingir que elas não estariam expostas a possíveis agressores homens nesse meio.
Também há alguns meses li num texto da Beatriz Preciado que “Nós as novas feministas não precisamos de marido porque não somos mulheres”, o que isso significa? Que se formos mulheres precisaríamos de maridos?
No livro da Judith Butler, Problemas de Gênero, ela critica o feminismo, dando a entender que, ao colocar a mulher como seu único agente político, o movimento ignora outras pessoas oprimidas pelo sistema patriarcal. Isso seria verdade, se o movimento feminista não tivesse apoiado ao longo da história as insurgências de gays e travestis, já que, vale lembrar, um número significativo do movimento feminista, historicamente, é composto por lésbicas. Assim como o movimento negro teve relevante apoio das feministas desde pelo menos a década de 1960 (acredito que muito antes, mas me falta esse acúmulo. Tenho certeza apenas de que via movimento anarquista, lutas feministas e negras estão unidas desde o IWW, nos EUA). O feminismo desde seu surgimento questionou a formação Família, visibilizando a opressão da educação infantil (para meninas e meninos). E faz a relação – via feminismo de viés socialista — com a subjugação de empregadas e empregados em casas, fábricas, empresas e etc. sob a tutela patriarcal.
Precisamos entender o seguinte: colocar a mulher como principal agente político é o que faz feminismo ser feminismo. Apoiar outros movimentos é uma questão de solidariedade e clareza na abrangência que queremos dar a palavra libertação.
Esse texto é mais do que tudo um autopedido de desculpas pelo período de descaso e contradição. O que fica é:
Não tire a importância do feminismo com seu discurso pós-moderno de liberdades apenas individuais. O feminismo salva vidas todos os dias. Ele empodera mulheres, lhes devolve o sorriso e nos faz pisar forte em nossa caminhada.
O feminismo é, com certeza, a coisa mais importante que aconteceu na minha vida. Defender e cuidar das minhas irmãs ainda é a coisa mais importante que eu consigo vislumbrar e é também a militância que eu escolhi percorrer.
(de 2014)